Nos últimos anos, o reajuste das mensalidades de planos de saúde coletivos tem levado consumidores a buscar o Poder Judiciário para contestar aumentos considerados injustificados por eles. Dados do TJ-SP mostram que, em 2024, foram registrados 21.334 novos processos relacionados a planos de saúde, muitos deles envolvendo contestações de reajustes.

O advogado especialista em Direito da Saúde, Elton Fernandes, explica que, diferentemente dos planos individuais, que seguem índices de reajuste estabelecidos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), os planos coletivos, sejam empresariais ou por adesão, não possuem teto regulatório, o que permite às operadoras aplicarem percentuais acima do índice da agência reguladora.

Contudo, o especialista relata que decisões judiciais recentes têm determinado a aplicação dos índices da ANS a contratos coletivos que, na prática, atendem apenas núcleos familiares, reconhecendo a falta de transparência ou justificativa técnica para os aumentos.

Aplicação do índice da ANS a contratos coletivos

Um estudo realizado por pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e da Universidade de São Paulo (USP), publicado na revista Direito Público, analisou decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) entre 2018 e 2021. 

A pesquisa revelou que 60% das ações que contestam reajustes em planos de saúde coletivos resultam em decisões favoráveis aos consumidores. Nessas decisões, os juízes frequentemente aplicam os índices da ANS, utilizados como referência para planos individuais e familiares, sobretudo quando as operadoras não apresentam justificativas técnicas para os percentuais aplicados. 

Em muitos casos, a Justiça determina a devolução de valores pagos a mais, corrigidos monetariamente e com juros, referentes aos últimos três anos.“Muitas operadoras não conseguem justificar os aumentos aplicados nesses contratos, o que pode ser sinal de abusividade. Ainda, ao identificar que o plano atende a um núcleo familiar, a Justiça frequentemente determina a aplicação do índice da ANS, usado como termômetro do setor”, afirma Elton Fernandes.

Famílias aderem a planos coletivos por falta de opção

Dados da USP indicam que, entre 2014 e 2020, o número de beneficiários em planos considerados “falsos coletivos” cresceu 63%, passando de 3,3 milhões para 5,2 milhões, o que representa 11% do total de contratos de planos de saúde no Brasil.

O advogado Elton Fernandes explica que muitas famílias são levadas a abrir um CNPJ para poder contratar um plano de saúde coletivo, diante da escassez de planos individuais no mercado. “A lei não previu que o plano familiar desapareceria e que famílias seriam levadas a contratar plano coletivo a fim de acessarem o sistema. É preciso repensar a regulação”, analisa o profissional.

Operadoras não conseguem justificar aumentos

A ausência de justificativas claras para os reajustes dos planos de saúde coletivos é um dos principais motivos para que consumidores busquem a revisão de reajustes. Nos contratos coletivos até 29 vidas, esse aumento é feito pela operadora, tomando em conta a utilização de todos os usuários que têm planos coletivos e não apenas do contrato, o que dificulta ao consumidor obter informações claras sobre a composição do reajuste.

Decisões recentes do TJ-SP ilustram essa tendência. Em um caso, um juiz suspendeu um reajuste aplicado a um plano coletivo com poucos segurados, determinando que o percentual seguisse o índice da ANS, por ausência de comprovação técnica para o aumento. 

Em outro processo, o tribunal anulou um reajuste em um plano empresarial e ordenou a readequação do contrato para os padrões de um plano familiar, com base no entendimento de que o contrato atendia a uma família, e não a uma atividade produtiva empresarial.

Em um terceiro caso, a Justiça considerou abusivos os reajustes aplicados a um plano coletivo, exigindo que a operadora apresentasse cálculos transparentes, o que não ocorreu, resultando na aplicação do índice regulado.

Quando as operadoras não apresentam cálculos claros e fundamentados, a Justiça pode intervir para proteger o consumidor, aplicando o índice da ANS como referência de razoabilidade, afirma Elton Fernandes. “O índice ANS é o grande termômetro do setor. Ele poderá ser tomado em consideração para que a Justiça analise se o reajuste aplicado no plano coletivo é ou não adequado ao caso”, explica.